clube #8: quem são os homens de milho?
O livro de setembro do Clube Nossa Literatura e Memorial da América Latina faz um convite aos leitores: você aceita a poesia do caos?
Homens de milho foi dos livros mais difíceis que já li.
Por não conseguir precisar o que ele é, me sinto navegando em águas turvas que seduzem e não te deixam desviar os olhos, não te deixam sair do caminho. Quanto menos compreendo, mais me atraio. Surge, então, uma espécie de obsessão que ultrapassa a fruição literária e atinge pontos que não sou capaz de verbalizar.
É profundamente intrigante, diria até angustiante, me sentir tão pequena diante da imensidão quase sagrada de Homens de milho.
Publicado em 1949, o livro ganhou relevância mundial somente após Miguel Ángel Astúrias receber o prêmio Nobel de Literatura em 1967.
Inspirado na mitologia Maia, a história é carregada de luta e morte em um enfrentamento entre quem considera o milho como elemento sagrado e quem explora o milho para enriquecer. A ação do livro se inicia com o cacique Gaspar Ilóm convocando os índios para a guerra contra aqueles que incendeiam campos e exploram o milho. Entre veneno e fogo, lemos uma história de luta contada a partir do maravilhoso, cheia de símbolos e significados que parecem confundir, mas que, no final das contas, revelarão mistérios profundos da nossa história e da natureza humana.
Desde esse primeiro momento de guerra e transformações de homens em animais (vimos isso também em O reino deste mundo com o Vodu, Mackandal e Ti Noel), Astúrias quer nos revelar que o homem é o resultado de constantes e ininterruptas metamorfoses. Toda a narração é concebida como um grande poema do povo e do milho.
Astúrias entrega uma conjunção suprema do realismo guatemalteco com o mundo dos sonhos Maias, elevando até o universal. “O homem primeiramente foi feito de barro; depois de madeira. Mas em ambas as formas fracassou; Só triunfou o homem de milho”. [em: Guerrero Cárdenas, Enrique. El Realismo Mágico y lo Real Maravilloso en "Hombres de Maíz" de Miguel Ángel Asturias].
No XVII Congresso da Société des hispanistes françaises Astúrias comenta sobre a questão da linguagem, mestiçagem e indigenismo - tema muito recorrente nas discussões literárias e antropológicas nas décadas de 1960 e 1970.
“Em Homens de milho o problema para mim não era escrever, meu problema era transmitir, o que não é possível para nós, porque para transmitir precisamos no futuro de um escritor que seja verdadeiramente indígena, não mestiço, ou seja, transmitir, na medida do possível, com uma linguagem que não era propriamente minha, um sentimento americano das coisas americanas”.
Essa está sendo uma releitura para mim. O que não significa que já compreenda o livro. Fiquei feliz com a oportunidade de reler a obra, porque acredito que são com as releituras de grandes histórias que conseguimos tornar elas parte de nossas vidas.
É comum, nesse processo de leitura coletiva em clubes, ver leitores angustiados com a confusão que o primeiro capítulo encerra em nossos pensamentos. No meu caso, mesmo sendo uma releitura, senti que estava deixando passar alguma coisa, como se algo essencial estivesse escapando de minhas mãos. Se eu pudesse deixar um conselho para quem está se aventurando pelo verbo de Astúrias seria se permitir cair nos riscos da linguagem. Prosseguir dando ritmo, movimento e vigor para cada frase, não se prender tanto na necessidade de compreensão total, aproveitar a fruição desse grande poema inclassificável de mitos e cosmogonias.
O lado bom, como esclarece o pesquisador Guiseppe Bellini, é que a última parte do livro chega para esclarecer tudo. Todo o percurso será coroado com o cristalizar de mistérios, desejos e lendas.
"É evidente que Homens de Milho carece da grande unidade que caracteriza o Senhor Presidente [outro romance de Astúrias], se for considerado no mesmo nível. Mas o Senhor Presidente, com todas as novidades estilísticas que apresenta, é um romance que pertence ao estilo tradicional. A unidade que encontramos em Homens de Milho é de natureza totalmente diferente, mais impalpável, dada apenas por um clima poético. Não quebra essa unidade que os acontecimentos são apresentados desde o início envoltos em um mistério que só é esclarecido nos últimos capítulos. Precisamente porque essa é a intenção declarada por Astúrias e essa é a atmosfera que ele persegue. Além disso, a unidade é fornecida precisamente pela contribuição esclarecedora dos últimos capítulos. Chega um momento em Homens de milho em que a lenda e a realidade parecem flutuar intermitentemente…” [em: Guerrero Cárdenas, Enrique. El Realismo Mágico y lo Real Maravilloso en "Hombres de Maíz" de Miguel Ángel Asturias].
No próximo texto da nossa newsletter comento sobre os primeiros capítulos do livro e a relação do conceito de Literatura indígena.
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