#clube 14 - permita-se sentir o deslumbre da fúria de Pedro Juan Gutiérrez
Onde há vida há o belo, o feio, o insólito, a inconformidade e a fúria.
Desde as primeiras páginas de Trilogia suja de Havana (1998), que reúne contos do escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez, percebemos que não haverá trégua ou conforto ao leitor. O livro foi publicado na Espanha após ser barrado de circular em Cuba.
Em entrevista recente, o escritor relembrou a época que escreveu Trilogia. “Tinha muita fúria dentro de mim”, disse. Fazendo um breve retrospecto, é importante lembrar que a década de 1990 em Cuba é conhecida como “Período especial”, uma crise econômica que eclodiu no país e se intensificou após a dissolução da União Soviética. Gutiérrez escreveu a partir desse caos. A visão de que um sistema sonhado estava ruindo é desalentadora, não é surpreendente concluir o motivo da raiva e da desesperança que ele sentia.
Isso é magistralmente refletido em páginas e mais páginas de histórias de pessoas marginalizadas, invisibilizadas pelo discurso opressor que atua para silenciar e deslegitimar lutas.
São contos que emergem de uma prosa dolorosa e sem rodeios, trazendo sempre visões dessas figuras marginalizadas, que traçam uma presença vítrea ou até fantasmagórica pela cidade, por vezes combativa, outras complacente. Esse estilo funciona como uma base para fazer toda a estrutura narrativa girar. É complexa e, ao mesmo tempo, repetitiva, pois segue temas parecidos: solidão, angústia, sexo, fome, miséria, desespero…
Mas qual o intuito de exibir de tantas misérias? O incômodo pelo incômodo? O horror pelo horror? Vejo como uma maneira de nos tornar mais que espectadores, mas testemunhas de uma realidade complexa que, na maioria das vezes, não é bonita. É uma forma de abraçar o caos que serve para questionar qualquer ordem imposta.
Desde o primeiro conto sentimos uma espécie de urgência. Se hoje em dia Pedro Juan Gutiérrez diz que não sente mais aquela fúria e desesperança de anos atrás, nesses contos encontramos um discurso distinto e raivoso, mas que revela uma beleza fugaz e, até então, inacessível. Ele quer expor, descortinar e desmascarar a realidade a partir da vida de anti-heróis ou, melhor dizendo, cidadãos comuns.
Essa narrativa urbana que aparenta ser fria e distante, que coloca o mundo gigante em perspectiva de uma humanidade cada vez menor, pode ser lida em diversos escritores - Roberto Bolaño, Lina Meruane, Fernanda Melchor e Pedro Juan Gutiérrez para exemplificar alguns. A sensação de que o mundo está ruindo, que o sistema está nos destruíndo e nossos sonhos esquecidos pelo caminho é aterradora. Por isso, são escritos tão sufocantes, tristes, angustiantes e desconfortáveis. Não há conforto para quem vive marginalizado, não há conforto ou perspectiva de mudança para quem existe para preencher buracos deixados por outros igualmente anônimos.
Para esta leitura, desejo que possamos nos permitir ver a beleza da fúria das páginas de Trilogia suja de Havana.
Assisti e achei super interessante essa entrevista com o autor. Espero que gostem.
Durante muito tempo, esse livro ficou sentado na minha estante, e eu tinha um certo receio do que ia encontrar ali. O clube está sendo a oportunidade perfeita pra conhecer a obra do autor!